Setembro 25, 2025

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isso é traição????

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A pergunta ecoa na minha cabeça como um badalar de sino num campanário vazio: “Isso é traição?” A dúvida é um peso morto no fundo do meu estômago, uma sensação física e enjoativa que não me larga há dias. Para entender, preciso voltar ao início, desfiar esta meada de sentimentos confusos que me levou a este ponto.

Tenho 19 anos e namoro o Luca, de 23. É meu primeiro relacionamento gay sério, aquele tipo de coisa que você acha que só acontece em filme. Nos encontramos num curso de fotografia, ambos escondendo uma parte fundamental de quem éramos das nossas famílias, que são, para ser gentil, conservadoras no melhor dos estilo “não pergunte, não conte”. Construímos nossa bolha de segredo e cumplicidade. É uma relação sólida, estável, baseada num respeito mútuo que eu nem sabia que podia existir. Ele é a pessoa mais centrada que conheço, o meu porto seguro. E eu, supostamente, deveria ser o dele.

Mas a solidão é uma coisa traiçoeira, especialmente para um homem gay como eu – assumido para uns poucos escolhidos, mas não-afeminado o suficiente para não “passar por hetero” no mundo. Este “privilégio” de passar despercebido é, na verdade, uma sentença de isolamento. As mulheres são amigas maravilhosas, mas há uma certa química, uma linguagem de camaradagem que, por mais que tentem, não conseguem acessar completamente. E homem heterossexual? Esquece. A dinâmica é sempre diferente, há um muro invisível. Sobram os outros gays, mas aí entram as questões de ciúme, a tensão sexual latente que pode contaminar qualquer amizade mais íntima. É um território minado.

Foi neste contexto de solidão seletiva que a falta do Kaique começou a doer como um dente cariado. Kaique. Conheci-o online, num grupo de discussão sobre música, meses antes de conhecer o Luca. A amizade foi rápida e intensa, naturalmente colorida. Éramos da mesma cidade, e a atração foi imediata, um jogo de flertes virtuais que nunca se concretizou. Eu queria pegar ele, admito. Ele é bi, mas daqueles tímidos, cheios de conflitos internos, que recuam quando a coisa fica séria. A conversa fluía por horas, eram memes, desabafos profundos sobre a dificuldade de ser quem éramos, e uma intimidade que nasceu digital, mas que parecia muito real.

Quando comecei a namorar o Luca, afastei-me do Kaique. Foi natural, quase um instinto de preservação do novo e precioso que tinha encontrado. Cortei o contato, não por maldade, mas porque sabia que aquela amizade com histórico não seria justa com o Luca. E funcionou. Durante meses, vivi na minha bolha feliz a dois.

Até que a solidão bateu à porta. A falta de um amigo do meu lado, alguém com quem partilhar as nuances da minha existência gay, sem ter de explicar tudo do zero, tornou-se uma presença constante. Senti falta do Kaique, não necessariamente do flerte, mas da conexão, da facilidade. Decidi ser honesto com o Luca. Numa noite tranquila, depois do jantar, encostei a cabeça no ombro dele e falei. Expliquei essa solidão, a dificuldade de fazer amizades genuínas, e mencionei o Kaique. Fui transparente sobre o nosso histórico, sobre a atração que havia existido, mas enfatizei que queria apenas uma amizade. Luca, sendo a pessoa incrível que é, ouviu com paciência. Ele confiava em mim. Disse que tudo bem, que entendia a minha necessidade e que confiava nos meus limites. “Você é meu, eu sei quem você é”, ele disse, dando-me um beijo na testa. Senti-me aliviado, abençoado por ter um namorado tão compreensivo.

Com esta benção, mandei mensagem ao Kaique. Foi estranho no início, um “oi, sumido” que carregava meses de silêncio. A conversa foi aos tropeços, mas rapidamente retomou o ritmo antigo. Falei-lhe do Luca, da minha relação, e ele contou-me das suas tentativas frustradas com mulheres e da sua confusão constante. E então, veio o ponto de viragem, o momento em que o terreno sólido sob os meus pés começou a rachar.

Estávamos a falar de intimidade, de como é difícil confiar nas pessoas. Kaique soltou uma daquelas frases que só quem partilha um certo nível de confiança diz: “Às vezes sinto que ninguém me vê de verdade”. E eu, num impulso de… não sei o quê, de querer mostrar que o via, respondi: “Eu te vejo”. Foi como abrir a comporta de uma represa. A conversa descambou para um território perigosamente familiar. Começámos a falar de atração, de corpos, daquela linguagem codificada que tínhamos antes. E então, veio a troca de fotos.

Não foi planeado. Foi um “estás melhor shape?” que evoluiu para um “eu também estou a malhar”, e depois para a troca de fotos de torso nu. E depois… a linha, uma vez cruzada, parece insignificante. Uma foto leva à outra. Foi ele quem mandou primeiro. Uma foto do pau. Não era uma nude explícita e vulgar, era… íntima. Uma foto deitado na cama, com a luz suave do final da tarde, uma imagem que transmitia mais vulnerabilidade do que pornografia. O coração acelerou, as mãos ficaram suadas. Eu devia ter parado ali. Devia ter dito “isso não podemos”. Mas não disse. Em vez disso, num misto de curiosidade mórbida, nostalgia e uma pontada de tesão, mandei uma minha em troca.

E agora, aqui estou. O acto em si, a troca de fotos, já é uma traição? Tecnicamente, provavelmente sim. É um quebra de confiança monumental. Mas o pior, a verdadeira facada na consciência, é o que veio depois. A atração. Estou me sentindo atraído por ele. Não é só o tesão momentâneo da troca de fotos, que já é problemático o suficiente. É uma reativação de tudo o que sentia antes. É pensar no Kaique durante o dia. É comparar, inconscientemente, a sua personalidade mais introvertida com a segurança do Luca. É sentir borboletas no estômago quando o telemóvel vibra e vejo que é uma mensagem dele.

O que é isso senão traição emocional? Estou a alimentar uma conexão que vai para além da amizade, estou a permitir que estes sentimentos cresçam num cantinho escuro do meu coração que deveria pertencer apenas ao meu namorado. A desculpa da “amizade íntima” tornou-se uma farsa que eu mesmo criei e na qual me escondo. O Luca confiou em mim. Deu-me a liberdade que muitos não dariam, e eu estou a usar essa liberdade para pavimentar um caminho que leva directamente à traição, seja ela emocional ou, se deixar isto continuar, física.

A culpa é um sabor amargo constante na minha boca. Quando estou com o Luca, beijando-o, sentindo o carinho dele, sinto-me como um impostor. A sua confiança é um peso que eu não mereço carregar. A pergunta “Isso é traição?” já não é sequer uma pergunta válida. A verdadeira pergunta, a que me assusta, é: “Porque é que eu quero que isto seja traição?”. Porque será que parte de mim quer ser pego em falso, quer que o Luca descubra e ponha um fim a esta minha ambiguidade? Será que é mais fácil ser apanhado a trair do que ter de enfrentar a complexidade dos meus próprios desejos e da minha incapacidade de lidar com a solidão num relacionamento estável? A traição, neste momento, não é só sobre o Kaique. É sobre uma falha minha, uma fraqueza, uma ânsia por validação externa que o amor sólido e estável do Luca, por mais perfeito que seja, não está a preencher. E essa talvez seja a traição mais profunda: a que cometo contra mim mesmo, ao não conseguir entender porque é que estou a sabotar a coisa mais boa que já me aconteceu. O segredo já não é só o nosso relacionamento; agora, é esta culpa, esta atração proibida e esta dúvida cruel que corroem por dentro, enquanto por fora, continuo a ser o namorado fiel que o Luca acha que eu sou.

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